quarta-feira, 17 de março de 2010

Queria receber uma carta


Queria receber uma carta. Não uma conta, um aviso, um bilhete, tampouco um convite. Uma carta mesmo! Carta de amigo, do tempo em que a informação não era expressa.
Nada contra a internet, eu a utilizo bastante. Nem digo "como eram bons os tempos das cartas!". Os tempos podiam não ser necessariamente bons, mas as cartas o eram.

Para escrever uma carta, é preciso parar.

Atividade artesanal, diferente do mais longos e elaborados e-mails. Escrever uma carta exige introspecção. É necessário ter em mente detalhes do destinatário; pensa-se nele, em suas características; imagina-se sua reação ao receber o que foi escrito e se saboreia a amizade, o amor. É um momento dedicado ao destinatário, exclusivamente a ele e a mais ninguém, o que o torna especial. Tem de ser escrita à mão, sem pressa, frase por frase: na letra está um pouco do espírito de quem escreve. Nas entrelinhas ela diz: amigo, dediquei este tempo somente a você pela sua importância. Então cuidadosamente são selecionados momentos pessoais a serem partilhados. Partilhar...tão bonito! Contamos a quantas anda a vida, quem conhecemos, de quem nos afastamos, quem se afastou de nós, como nos sentimos; segredos indevassáveis, acontecimentos corriqueiros que deveriam obrigatoriamente ter a participação daquele a quem escrevemos, mas que por circunstâncias variadas não está conosco. Damos um pouco de nós. Chega o momento da despedida e vai via correio um abraço e um beijo em forma de palavras. Dobra-se cuidadosamente a carta.

Adolescente, costumava fazer dobraduras esdrúxulas, possivelmente para mostrar originalidade ou aumentar a expectativa de quem fosse ler. Na época não tínhamos tanta pressa; podíamos nos dar ao luxo de pensar em como decifrar o enigma daquelas dobras no papel; abri-lo de modo a não corrompê-lo e garantir a leitura integral do conteúdo,sem rasgos. Se fosse folha de caderno, por consideração e capricho, se fazia indispensável retirar as franjinhas.

Era hora de sobrescritar o envelope, fechá-lo com cuidado, se possível colar um adesivo ou uma figura bonitinha na frente, pequeno mimo para quem recebe. Aí era só por o selo e levar ao correio...ou encontrar uma caixa amarela que magicamente levaria um pedacinho de nossa alma à pessoa querida. Pronto!

Lembro-me bem do horário em que o carteiro passava. Um senhor sorridente, com bigodão ruivo à la Leôncio. Ele também me conhecia; sabia da minha expectativa e quando me via no portão já sinalizava de longe se havia ou não carta para mim. Por muito tempo esse foi o homem que mais esperei. Literalmente! Como não esperá-lo se na sua sacola, entre centenas de correspondências, poderia estar também uma parte da história cotidiana do meu amigo? Um amigo que realizou o mesmo processo que eu, para quem por instantes fui única e especial, com notícias levadas tão a sério quanto qualquer acontecimento passível de mobilizar nações e chefes de Estado.

Enfim desfrutar o prazer de ler e a certeza de que, naquele instante, tudo fazia sentido.

*Para Mirela, com carinho.