
Queria receber uma carta. Não uma conta, um aviso, um bilhete, tampouco um convite. Uma carta mesmo! Carta de amigo, do tempo em que a informação não era expressa.
Nada contra a internet, eu a utilizo bastante. Nem digo "como eram bons os tempos das cartas!". Os tempos podiam não ser necessariamente bons, mas as cartas o eram.
Para escrever uma carta, é preciso parar.
Atividade artesanal, diferente do mais longos e elaborados e-mails. Escrever uma carta exige introspecção. É necessário ter em mente detalhes do destinatário; pensa-se nele, em suas características; imagina-se sua reação ao receber o que foi escrito e se saboreia a amizade, o amor. É um momento dedicado ao destinatário, exclusivamente a ele e a mais ninguém, o que o torna especial. Tem de ser escrita à mão, sem pressa, frase por frase: na letra está um pouco do espírito de quem escreve. Nas entrelinhas ela diz: amigo, dediquei este tempo somente a você pela sua importância. Então cuidadosamente são selecionados momentos pessoais a serem partilhados. Partilhar...tão bonito! Contamos a quantas anda a vida, quem conhecemos, de quem nos afastamos, quem se afastou de nós, como nos sentimos; segredos indevassáveis, acontecimentos corriqueiros que deveriam obrigatoriamente ter a participação daquele a quem escrevemos, mas que por circunstâncias variadas não está conosco. Damos um pouco de nós. Chega o momento da despedida e vai via correio um abraço e um beijo em forma de palavras. Dobra-se cuidadosamente a carta.
Adolescente, costumava fazer dobraduras esdrúxulas, possivelmente para mostrar originalidade ou aumentar a expectativa de quem fosse ler. Na época não tínhamos tanta pressa; podíamos nos dar ao luxo de pensar em como decifrar o enigma daquelas dobras no papel; abri-lo de modo a não corrompê-lo e garantir a leitura integral do conteúdo,sem rasgos. Se fosse folha de caderno, por consideração e capricho, se fazia indispensável retirar as franjinhas.
Era hora de sobrescritar o envelope, fechá-lo com cuidado, se possível colar um adesivo ou uma figura bonitinha na frente, pequeno mimo para quem recebe. Aí era só por o selo e levar ao correio...ou encontrar uma caixa amarela que magicamente levaria um pedacinho de nossa alma à pessoa querida. Pronto!
Lembro-me bem do horário em que o carteiro passava. Um senhor sorridente, com bigodão ruivo à la Leôncio. Ele também me conhecia; sabia da minha expectativa e quando me via no portão já sinalizava de longe se havia ou não carta para mim. Por muito tempo esse foi o homem que mais esperei. Literalmente! Como não esperá-lo se na sua sacola, entre centenas de correspondências, poderia estar também uma parte da história cotidiana do meu amigo? Um amigo que realizou o mesmo processo que eu, para quem por instantes fui única e especial, com notícias levadas tão a sério quanto qualquer acontecimento passível de mobilizar nações e chefes de Estado.
Enfim desfrutar o prazer de ler e a certeza de que, naquele instante, tudo fazia sentido.
*Para Mirela, com carinho.